Funcionários relatam furtos de alimentos e dinheiro
por colegas. Advogada trabalhista detalha cuidados por parte da empresa e
empregado.
A prática
de furtos no ambiente de trabalho pode gerar demissão por justa causa. E não
importa se o bem furtado é um iogurte ou um notebook. No entanto, para que a
penalidade possa ser aplicada sobre o responsável pelo delito, é necessário que
o ato seja devidamente comprovado, alerta quem trabalha com as leis
trabalhistas.
A denúncia da assistente de telecomunicações Werônica Oliveira, de 24 anos,
acabou causando a demissão de um colega seu, que tinha a mesma função que ela
na empresa. Ele foi flagrado furtando comida na geladeira da empresa.
Werônica
conta que deixou uma sacola com iogurtes e queijo na geladeira da empresa, que
havia acabado de ser limpa pelas faxineiras. Mais ou menos uma hora depois, ela
foi pegar algo para comer e viu que sua sacola havia sido revirada.
"Fiquei muito revoltada e pedi a ajuda de uma monitora. Chamamos o
segurança e ele foi verificar as imagens. Nesse intervalo o colega que havia
roubado as minhas coisas confessou para mim que era ele, pediu desculpas e
queria que eu retirasse a queixa com o segurança", conta. Porém, segundo
ela, já era tarde. O segurança já havia visto as imagens e já tinha informado
para a monitora sobre a autoria do furto. E o colega de Werônica foi mandado
embora, sem justa causa.
"A minha iniciativa não foi para prejudicar ninguém, mas sim para que
fosse feita justiça", diz. O caso aconteceu no mês de abril. Segundo
Werônica, o autor do furto comeu quase todo o queijo e tomou quatro iogurtes.
Na cozinha da empresa tem câmera, e todos sabem do equipamento, que fica bem
visível."Eu senti uma revolta e indignação muito grande, porque eu nunca
teria coragem de roubar o que fosse de ninguém", afirma. Werônica diz que
os casos de furto vinham acontecendo há mais ou menos dois anos. Só com ela
haviam ocorrido cerca de 10 furtos, sempre de comida. "Por isso eu
estourei, já estava saturada", comenta. Após a demissão do funcionário, os
furtos diminuíram, mas não acabaram.
Janaína
dos Prazeres Nunes teve sua marmita furtada da geladeira da firma
Bacalhau
com camarão
A técnica em radiologia Janaína dos Prazeres Nunes, de 26 anos, deixou sua
marmita por duas horas na geladeira. Quando foi pegar a comida para esquentar,
ela não estava mais lá. Era seu almoço durante o turno da tarde no hospital em
que trabalhava.
"Nunca
tinham mexido na minha marmita, mas no dia em que eu levei bacalhau com camarão
pegaram", conta. Ela diz que até o pote foi levado. "Quando eu levava
salsicha e linguiça em um pote de R$ 1 ninguém pegava, mas foi levar uma comida
mais sofisticada em um pote de marca que furtaram tudo", lamenta.
O fato
ocorreu há cerca de seis meses. Segundo ela, os furtos eram frequentes,
principalmente de comidas mais elaboradas como lasanha e rondelli. "Às
vezes só sumia a mistura. É muito feio roubar comida", diz. Iogurtes e
refrigerantes também eram alvos do ladrão. "O segurança do hospital
colocou laxante uma vez em um iogurte [para flagrar o ladrão] e um enfermeiro
teve dor de barriga, aí todo o mundo ficou desconfiado, mas pode ter sido
coincidência, é complicado acusar sem ter provas", diz.
Atualmente Janaína almoça por volta de 11h na clínica onde trabalha de manhã,
antes de ir para o hospital na parte da tarde. Nessa clínica ela nunca teve a
comida furtada da geladeira. Mas há cerca de 3 anos foram levados R$ 70
furtados da sua bolsa que estava em um armário comum destinado aos
funcionários. "No 5º dia útil a galera tinha tirado o salário e o dinheiro
de seis pessoas sumiu, de mim foram só R$ 70, mas de outras pessoas foram R$
600, R$ 700. A enfermeira chamou a polícia, que revistou quem permitiu a
revista, mas ninguém foi pego. A pessoa fingia que mexia na bolsa dela e mexia
na dos outros, o armário era muito pequeno, as bolsam ficavam amontoadas",
explica Janaína.
Na época, ela trabalhava no administrativo da clínica. Depois disso passou a
deixar o dinheiro no bolso da calça. Atualmente ela está no setor de raio-X, e
cada funcionário tem seu armário.
Tira-dúvidas
O G1
entrevistou a advogada trabalhista Daniela Ribeiro, sócia do escritório
Trigueiro Fontes Advogados. Veja abaixo as principais dúvidas relacionadas ao
assunto e o que é permitido, de acordo com a lei, ser feito em várias situações
para prevenir os furtos.
O que o
furto de uma maçã da geladeira a um notebook da empresa acarreta para o
funcionário? A punição é a mesma em ambos os casos? É previsto na CLT?
O
empregador pode aplicar penalidades disciplinares para punir as faltas
praticadas pelos empregados. As penalidades devem ser proporcionais às faltas
cometidas, podendo variar entre advertência (verbal ou escrita), suspensão ou
demissão, esta última com ou sem justa causa. Se comprovado o furto ocorrido no
ambiente da empresa, praticado pelo empregado, é possível que ele seja demitido
por justa causa, por ato de improbidade, previsto no artigo 482 da CLT.
O furto de uma simples fruta, uma única vez, pode ser entendido pela Justiça do
Trabalho como insignificante para justificar uma demissão com justa causa -
neste caso, seria necessária a ocorrência de uma prática recorrente,
configurando a intenção desonesta do empregado. Já a demissão sem justa causa é
diferente. Ela pode ser aplicada pelo empregador sem que seja necessário dar
explicações ou justificativas ao empregado. Assim sendo, no caso do simples
furto de uma fruta, a demissão sem justa causa é possível sim. O empregador
deve apenas ter cuidado para que não sejam lançadas acusações sem provas contra
o empregado.
No caso do furto de um bem de valor significativo, como um notebook, se
comprovado de forma convincente, a demissão com justa causa pode ser aplicada.
Já a penalidade de despedida sem justa causa pode ser aplicada em qualquer
hipótese, pois não é preciso haver justificativa por parte do empregador.
Para que a demissão por justa causa seja efetuada, é preciso que seja
comprovado o flagrante? De que forma?
Não
precisa obrigatoriamente haver um flagrante. É necessário que haja provas
contundentes do furto, verificadas por um flagrante ou por investigação interna
que leve à certeza da prática do ato pelo empregado, o que pode ser feito por
prova testemunhal ou por constatação em imagens de câmera de vigilância. A
empresa que alega a prática de furto por parte de seu empregado deve possuir
firme certeza da autoria, mediante provas consistentes, sob pena de ter anulada
a justa causa judicialmente.
Se um funcionário alegar que houve insinuação de que ele seria responsável
pelos furtos, configura-se aí assédio moral?
A simples
alegação do empregado de que houve insinuação de furto por parte do seu
empregador não é suficiente para comprovação de assédio ou dano moral. Para
configurar o dano à personalidade, o empregado terá que comprovar que
efetivamente foi acusado pelo seu empregador, sem provas, e exposto perante os
colegas ou terceiros, sofrendo assim dano à sua honra. Se não houver excessos
na conduta do empregador, que tão somente procedeu à apuração dos fatos, sem
intenção de manchar a imagem do empregado, não há que se falar em dano ou
assédio moral.
A empresa
pode instalar câmeras no ambiente de trabalho, não só no salão do escritório,
como na cozinha e no banheiro?
A
instalação de câmeras de vídeo para fins de fiscalização do ambiente de
trabalho e de segurança, não somente da empresa, como também dos demais
empregados, é considerada legítima. Contudo, todas as pessoas sujeitas ao
monitoramento deverão ter plena ciência da filmagem, bem como dos locais em que
houver câmeras. Avisos como “Você está sendo filmado”, são suficientes. É
necessário que tenham avisos sobre as câmeras, independente de elas serem
visíveis ou não. Todos devem ter ciência da instalação das câmeras e dos locais
onde estão.
É prudente ainda que o campo de visão abrangido pelas câmeras seja o mais amplo
possível e de preferência com foco na circulação de pessoas e movimentação de
mercadorias.
A proibição à instalação de câmeras de vigilância se dá em locais destinados ao
lazer do empregado ou a ambientes como vestiários, banheiros, refeitórios, nos
quais o empregado se encontra em momento de descanso ou intimidade.
Empresas
podem instalar câmeras na cozinha e usar as imagens para demitir o funcionário
que furtava constantemente o que havia na geladeira?
Se a
cozinha não for um local destinado ao descanso do empregado, é possível a
instalação de câmeras. Quanto à utilização das imagens pelo empregador, para
comprovação dos furtos e demissão do empregado, tal atitude é legal.
O
empregador pode, a qualquer momento, verificar as imagens gravadas em caso de
necessidade?
O
empregador pode verificar as imagens a qualquer momento que entender necessário
e elas podem ser apresentadas em juízo.
A empresa
pode, por exemplo, colocar um aviso informando que estão ocorrendo furtos e que
providências serão tomadas contra o transgressor, com o objetivo de intimidar
quem está furtando?
É
possível a intimidação geral efetuada pelo empregador, no ambiente de trabalho,
dirigida a todos indistintamente, contudo, não é aconselhável, pois pode criar
um clima inseguro na empresa. O recomendável é que sejam tomadas providências
reais e regulares de vigilância e fiscalização, sem ameaças ou intimidações.
A empresa
pode divulgar que foram instaladas câmeras com a finalidade de registrar os
movimentos dos funcionários, inclusive os furtos praticados?
A
instalação de câmeras de vigilância é permitida ao empregador, de modo que não
se faz necessário mencionar, de forma explícita, que a intenção é registrar os
furtos praticados.
A
empresa, para tentar intimidar o furtador, pode ameaçar de instalar câmera?
Ameaças
por parte da empresa não são aconselháveis, pois podem ser entendidas como
prática de intimidação e manifestação de desconfiança geral sobre os
empregados. Considerando que a instalação de câmeras é procedimento permitido,
a empresa pode simplesmente informar que, por uma questão de segurança de todos
e vigilância do seu patrimônio, instalará câmeras nos ambientes coletivos e
permitidos.
A empresa
pode, por exemplo, colocar um painel com os funcionários escrevendo seus
depoimentos sobre o que foi furtado deles?
Não há
impedimento, entretanto, não existe efeito prático, uma vez que, para se
atribuir ato de furto a um empregado, tem que haver provas convincentes de
autoria.
O empregado pode escrever seu nome no alimento para deixar identificado de
quem é e, assim, tentar evitar o furto?
Não há
impedimento para que os empregados identifiquem os seus alimentos, armazenados
em locais de acesso coletivo.
Existem
relatos de pessoas que usam de artifícios como colocar laxante no alimento para
que seja possível identificar a pessoa que está furtando. Essa medida poderia
gerar dano moral?
Tal
atitude pode gerar sérios danos à saúde dos outros, podendo configurar
inclusive conduta criminosa, de modo que não se deve fazê-lo em nenhuma
hipótese. De qualquer forma, a atitude de um empregado que contamina seu
próprio alimento para atingir os outros não pode ser atribuída à empresa.
O
funcionário que se sentir prejudicado na empresa por ter sido vítima de furtos
no ambiente de trabalho pode entrar com ação na Justiça contra a empresa?
Ingressar
na Justiça do Trabalho o empregado sempre poderá, contudo, para ter chance de
êxito em eventual pedido de indenização/ressarcimento, precisará demonstrar que
o furto efetivamente ocorreu e que a empresa tinha obrigação de vigilância e
guarda desses bens furtados. Em armários de vestiários ou guarda-volumes, por
exemplo, é possível a responsabilização da empresa, já que, nesses locais, há
promessa de guarda. Contudo, em caso de bens deixados em locais de grande
circulação, não se pode atribuir à empresa a responsabilidade pela sua guarda e
vigilância.
A empresa só pode ser responsabilizada se os bens furtados estiverem em local
onde havia promessa de guarda e vigilância, como armários com chave oferecidos
ao empregado. Caso contrário, o empregador não pode ser responsabilizado pelo
furto de pertences de valor deixados na empresa pelos empregados.
Fonte: Marta Cavallini - G1, em São Paulo - 13 Jun 2103